Cris.Weck - Meu avô, zínias e o vento - arte digital - 2016 |
Diariando...
MEU
AVÔ, ZÍNIAS E O VENTO
Cristine Weck
Hoje saí cedo a pé, desci em direção ao
Centro da cidade, precisava comprar um presente.
Me
surpreendi com o vento. Um vento que
vinha de frente, batia no rosto e assoviava nos meus ouvidos.
Uma sensação conhecida... Seria um déjà
vu.
Não!!! Sem dúvida que não, Já vivi este
vento.
Me reportei. Fui para outros tempos...e lugar, enquanto
descia a rua. Tempos da minha infância.
O lugar?
Minha terra, meu Rio Grande do Sul, lá onde estão minhas origens, onde cresci,
onde comecei a me aprender (muita coisa
mudou em mim depois que saí de lá; cheguei a pensar por um certo tempo, que não
restava mais nada de mim, mas venho me reencontrando novamente). Lá onde a
minha história começou. Meus parentes, amigos, conhecidos, coadjuvantes na
minha vida. Lugares, memórias, algumas boas, outras nem tanto. Lá, onde ficaram
os meus melhores sonhos, onde deixei o melhor de mim. Fui acidificando...
Engraçado... Hoje ouvi a música “A lista” de Oswaldo Montenegro, ela fala um pouco disto
“(...)
Faça uma lista dos sonhos que tinha
Quantos você desistiu de sonhar!
(...)
Onde você ainda se reconhece
Na foto passada ou no espelho de
agora?
Hoje é do jeito que achou que
seria...?
(...)
Quantos mistérios que você sondava
Quantos você conseguiu entender?
Quantos segredos que você guardava
Hoje são bobos ninguém quer saber?
Quantas mentiras você condenava?
Quantas você teve que cometer?
Quantos defeitos sanados com o
tempo
Eram o melhor que havia em você?
(...)"
A
PRAIA... Lembrei! Foi lá, Capão da Canoa, onde me encontrei, pela primeira vez
com este Vento. Ele brincava assoprando nos meus ouvidos. Vento de praia...
-Seu Vento, Seu vento, já nos conhecemos (falei em pensamento descendo a rua hoje).
-Somos velhos conhecidos! Estás longe,
não?? O que trazes pra mim??
Eu sempre tive essas sensibilidades... Sempre
gostei de apreciar sozinha, quieta. Sentindo, percebendo ares, cores, luzes,
brisas, cheiros, caras e bocas. Gestos, gostos, texturas, formas, olhares... Eram
e continuam sendo brincadeiras que acontecem nos sentidos e mental. Percepções!
Fui descendo a rua com minhas memórias, praia, mar... Lembrei
então do poema de Casimiro de Abreu, “Deus”. algumas vezes declamei pro MAR e para as minhas irmãs Sereias. Ui quanta pretensão!
“Eu
me lembro! eu me lembro! - Era pequena
E brincava na praia; o mar bramia
E, erguendo o dorso altivo, sacudia
A branca escuma para o céu sereno.
E eu disse a minha mãe nesse
momento:
“Que dura orquestra! Que furor
insano!
“Que pode haver maior do que o
oceano,
“Ou que seja mais forte do que o
vento?!”
Minha mãe a sorrir olhou p’r’os
céus
E respondeu: - “Um Ser que nós não
vemos
“É maior do que o mar que nós
tememos,
“Mais forte que o tufão! minha filha, é - Deus!”
Meu avô...
De
lembranças em lembranças que o Vento me trazia, enquanto descia a rua, meu avô surgiu.
Oh saudades! Como ele era especial, a única pessoa que olhava pra mim com
admiração verdadeira. Estava no olhar. Nem sei se eu merecia...
Este Vento me confrontou mesmo, algumas
vezes pelos caminhos. Desta vez, íamos comprar revistinhas, aquelas da Brotoeja,
Tininha, Bolota, Recruta Zero (gibis), e fumo de cachimbo, lá no centro da
praia de Capão da Canoa, na revisteira que ficava na rua lateral da praça.
Lembrei dos cheiros dos fumos de cachimbo do Vô Athaíde. Tinha um que eu
adorava, com cheiro de chocolate. Aquele ritual todo da preparação do cachimbo,
já valia o momento. Eu sentava no colo dele e enchia o cachimbo. Tinha uns
apetrechos, lembro de um arame peludinho, usado para limpar o interior do cachimbo;
uma bolsinha com zíper onde ele guardava o fumo e flanela para lustrar o
cachimbo.
Para criança tudo é brinquedo!
Teve
um verão...
Os
ares não andavam muito bons, dava para perceber um peso no ar. A mãe, o tio e
meu irmão pegaram hepatite (acho que foi neste
ano mesmo que vivi esta experiência que guardei com força). Meu avô estava com câncer, mas isto não tinham me dito;
eu estava nos meus 8 ou 9 anos, por aí.
O
dia não tinha raiado ainda, levantei e vi a porta da frente aberta. Meu avô
estava sentado na frente da casa, numa espreguiçadeira, entre as zínias. Rodeado
de flores, literalmente. O meu avô sempre alugava aquela casa, e a dona tinha
semeado uma parte do jardim com zínias, elas são muito coloridas e nasceram
grandes e altas, provavelmente resultado do clima. Lembro de três ou quatro ciprestes formando uma meia lua, por trás das flores.
Na
frente da casa tinha uma chácara, um pasto lindo verdinho, com árvores seguindo
a cerca onde amarravam a vaquinha para tirar leite, bem cedinho. Eu não gostava
daquele leite espumoso morno e puro, mas achava mimoso tudo aquilo, era lúdico.
Na
esquina um bar/armazém, daqueles antigos onde eu comprava cola. Era um vidrinho
com goma arábica. Eu fazia as minhas colagens.
E doce de leite Mu-mu, naqueles travesseirinhos de plástico. Eu comprava
uma “tripa” de Mu-mu, comia tudo de uma vez. Era tudo tão simples e bom.
Nesta
manhã, o céu ainda estava escuro com alguma claridade de azuis e laranjas surgindo,
e ele, o vô Athaíde, ali sentado, tomando chimarrão sozinho. Não! Não achei que ele estivesse só, não
senti solidão naquele momento. Ele estava muito bem acompanhado, por tudo
aquilo, por Deus. Deus estava integralmente ali diluído nas cores, no orvalho,
no ar; encrustado nas pedras, na areia... E nele!
Percebi
que aquele momento era especial. Eu...
fiquei olhando da porta, sabia que precisava ficar ali e guardar aquela imagem
do meu avô querido, “Vô Flor”. Também senti naquele momento, que ele nos deixaria
logo. Provavelmente seria o último verão dele na praia e eu TINHA que guardar
aquela imagem. Guardei. Vô ATHAÍDE TE AMO!!
E o Vento???
É ... eu já o encontrei algumas vezes. Ele
sempre me leva de carona, a algum momento... as vezes não sei onde, nem qual,
mas é onde só ele sabe
“fffFffffffff
fffvvxxxxx fvvsxxxfvfsxxxxx xxxxxxxvvzzxxvxxx...”
Déjà vu???
QUEM SABE!